terça-feira, novembro 07, 2006

Às nossas crianças


O pião andava tonto de tanto rodopiar.
Velho, de bico rombo e cordel preso por um fio, lá andava ele, lado para lado no bolso daquela criança pobre.
Na escola, arrumado no armário, o pião ficava ao lado dos belos brinquedos das outras crianças à espera da hora do recreio.
O belo carro vermelho, cheio de brilho e vaidade, olhava com desprezo o velho pião,quase invisivel a um canto.
O robôt de chapa reluzente, luzes a acender e a apagar, disse com a sua voz metalica e rabugenta: - Não acho bem, não acho nada bem que essa coisa aí ao canto esteja junto de nós. Somos belos, actuais, e ele não passa de um pedaço de madeira gasta e fora de moda.
O pião estremeceu assustado e mais se escondeu naquele cantinho já tão habitual. Foi a vez do carro de bombeiros falar: - Não estou de acordo contigo, és muito egoista para te lembrares que não passas de um monte de chapa e que tal como o pião irás envelhecer e ficar ultrapassado.
Grande discussão se gerou entre os brinquedos, uns a favor, outros contra. E o pião lá continuava no seu lugar calado.
Com o barulho que todos faziam, ninguem deu pelo toque da campainha a anunciar o recreio. Tinham de parar de mexer, de discutir, pois as crianças não tardavam a procura-los para a brincadeira diária.
Só o velho pião deu conta.
Decidido rodopiou até ao meio da confusão, e com a voz mais forte que pode, gritou: - Está na hora da brincadeira. Aí vem eles.
Todos pararam obedientes e no instante seguinte as portas abriram-se de par em par ao som da alegria da pequenada.
Nesse dia, no recreio, o velho pião rodopiou com mais entusiasmo. Agora tinha a certeza de que já não estava só.

1 comentário:

Anónimo disse...

Comprei um pião
novinho a estrear
e ao intervalo
fui pró patio brincar

naquela escola
era uso e costume
usar-se pião
até todos cansar

o cimento riscado
fez com que a prof
nesse dia zangada
mandasse avisar:

revista geral
aos bolsos e ás sacas !
todos os piões
aqui vou guardar !

todos os meninos
habituados á fuga
metiam piões,
faniqueiras p'los cantos

alguns entregavam
os mais escacados
outros sorriam
pois tinham suplente

incrédulo eu,
noviço na arte
a medo esperava
pela minha sorte

e o pião reluzente
de tão prometer
das mãos me fugiu
quase sem estrear

não sei se esta história
que lembro amiude
me fez de vergonha
ou raiva ficar

ainda hoje recordo
quão duro ficou
o meu coração
na forma dum pião

me, myself and I